quinta-feira, 11 de março de 2010

Sobre narizes vermelhos e catéteres

A luz branca machucava seus olhos, tanto quanto o catéter que atravessava o braço esquerdo, mas o que mais doía não era isso, e sim a imensa solidão que sentia.
O médico já havia passado aquela manhã, mas ele nem se lembrava o que ele tinha falado. Na verdade não importava muito. Morrer ou viver perde a importância, quando você já está um pouco morto.
Lembrava de quando as pessoas o olhavam como se não fosse um objeto de estudo, como se sentissem algo mais que pena. Filhos, parentes, amigos, há muito que deixaram de visitá-lo, o tempo perdeu-se, foi-se, escorregou por entre os dedos e ele nem sabia onde tudo isso tinha ido parar.
Foi quando avistou aquela figura simpática, o avental branco e o estetoscópio pendurado no pescoço faziam um imenso contraste com o nariz redondo e vermelho postiço, os sapatos imensos e a maquiagem. Em um primeiro momento ficou irritado, não era mais criança pra se encantar com palhaços, na verdade nem se lembrava de gostar deles quando era criança. Fechou a cara em uma carranca quando o sujeito se aproximou falando com uma voz feito um general batendo continência. A voz esganiçada fazendo graça pediu que ele aproximasse o nariz da imensa flor no peito e quando ele o fez um jato de água o atingiu em cheio no rosto. Imaginou que ia ficar em fúria, ia explodir, xingar o sujeito de todos os palavrões que pudesse se lembrar, mas ao invés disso, sorriu. E o sorriso lhe pareceu estranho no rosto, deslocado, talvez pelo desuso, talvez por não imaginar que um dia ele pudesse estar ali de novo.
Bem, pelo menos foi assim que soube que aconteceu, e desde então o sujeito volta uma vez por mês, e o hospital volta a existir. Entenda, fisicamente ele sempre está lá, mas só existe de verdade uma vez por mês. No ano, por doze vezes pode-se dizer que há vida sob aquelas paredes e teto.

3 comentários:

  1. Por um lado sou suspeita pra falar, mais todos vão concordar que este texto é um dos melhores.
    Este é um assunto socialmente pouco discutido, pois sempre que estamos bem, nunca nos lembramos daqueles que estão em um hospital, sozinho, cheios de medos, angustia e sabendo que a misteriosa morte está chegando e logo tudo o que sonhou acabara em breve.
    Mas nem todos são assim...os doutores da alegria!!! Os gênios do riso!!! e inspetores das gargalhadas!!!,chamem como quiser podem ser até chamados de Super homens e Super mulheres, fazem um excelente trabalho, resgatando o que a de melhor destas pessoas, para que elas tenham momentos melhores e o mais importante Vivam, respirem e sintam o cheiro doce da vida.
    Excelente texto, nos faz pensar em como o mundo pode ser melhor e como isso só depende de nós.

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  2. Concordo plenamente com a Tucci, esse texto e o melhor até o presente momento!!

    Nos humanos esquecemos-nos de retribuir o Amor que sentimos um pelo o outro, só se preocupamos com o nosso umbigo, esqueci que todos somos filhos de um só Pai (Deus) devemos amar com intensidade, saber ajudar, a compartilhar nossas experiências de vida!! Muitas vezes achamos que nunca irá acontecer com a gente e por isso não se preocupa em ajudar o próximo

    Esse texto me deixou muito emocionada, por que infelizmente e a grande realidade!!

    =(

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